Amo-te
"Amo-te".
O que significa isto, ao certo?
Bem, para começar, posso dizer-vos, IMHO, o que não significa. Não significa nem violinos, nem fogo de artifício, nem nenhuma outra analogia idiota criada por contos de fadas, venham eles de Hollywood ou de qualquer outro lugar.
Falando em Hollywood, vem-me à cabeça uma cena de um filme onde o conceito daquilo que entendo por amor estava espelhado de uma forma que compreendi perfeitamente.
Estou a assumir que já toda a gente viu o "Munique"; se assim não for, sorry, mas vou contar uma cena do filme.
Perto do final, há uma cena em que ele está a fazer sexo com a sua mulher. E apesar de o seu corpo estar lá, a sua mente está a milhas. A única coisa que vê à sua frente é o que aconteceu com os reféns, e a forma como morreram. E ela apercebe-se que ele está apenas "going through the motions", i.e., que a sua mente está noutro lugar.
E como é que ela reage? Diz simplesmente "Amo-te".
E é isto. Pura e simplesmente isto. Sim, ele não está lá, e ela compreende. E ela dá-lhe o desconto, e está - aparentemente - preparada para o ajudar a lidar com o problema. E ela não pensa que ele está distante por ter outra, ou porque ela não o satisfaz, ou por nenhum outro disparate qualquer que leu na Cosmopolitan, ou na Activa, ou na Moderna, ou em qualquer outra revista descerebrada.
Dirão vocês "Sim, mas este é um caso especial". Sim, é verdade. No entanto, este "caso especial" serve perfeitamente de contraponto em relação à "normalidade". Que é?
Que é estarmos, por omissão, constantemente prontos a julgar os outros da pior forma possível. À primeira vista, são maliciosos; se não são maliciosos, são incompetentes; se não são incompetentes,... bem, são simplesmente idiotas, e pronto, assunto resolvido. E isto não muda numa relação. Muitas vezes, a forma como julgamos a pessoa que está connosco é exactamente a mesma, só que com um grau de exigência ainda maior.
Então, o que é o amor?
Ocorrem-me imediatamente duas palavras - confiança e cedência.
Nota: O segundo item costumava ser "sacrifício", mas alguém me convenceu a alterá-lo. Bigado, HP :)
Confiança.
Sim, a primeira coisa que vem à ideia é a história da cara-metade que trabalha até tarde; "confiança" significa que não vamos pensar que ela anda a "dar umas voltas" com o chefe, ou com um colega de trabalho. Mas só isto não chega.
É também eu estar à espera dela há meia-hora e saber que existe um motivo perfeitamente válido para ela estar atrasada, em vez de pensar "é sempre a mesma trampa, ela nunca consegue chegar a horas"; é ela dar-me uma resposta torta, e eu conseguir perguntar "o que tens?" com um interesse genuíno em saber o que a está a afligir, e não como se fosse uma acusação, do tipo "se estás mal disposta, a culpa não é minha, ouviste?"; e se ela me der outra resposta torta, é eu conseguir manter a calma, e não desistir enquanto ela não se abrir comigo.
É eu confiar nela de tal forma que me permita abrir-me e contar-lhe tudo o que me vai na alma, e entregar-me sem reservas nem receios. Sabendo que, mesmo que no futuro acabemos com tudo e vá cada um para seu lado, o que lhe contei ficará para sempre entre nós (sim, este passo é difícil de dar, eu sei; e sinto-me imensamente feliz por poder dizer "eu sei").
E a cedência?
A face mais visível deste aspecto é o habitual equilíbrio de parte a parte - "hoje fazemos como tu queres, amanhã fazemos como eu quero". Mas não é assim tão simples.
A cedência só representa o nosso amor pela outra pessoa se for desinteressada. Ou seja, se for um "hoje fazemos como tu queres, mesmo que amanhã não façamos como eu quero"; "hoje fazemos como tu queres porque isso te faz feliz, e não há nada que me faça mais feliz que ver-te feliz".
Mas, dizem vocês, se for sempre o mesmo a ceder, mais cedo ou mais tarde a coisa irá rebentar. É verdade. Mas, se é sempre o mesmo a ceder, então é porque, se calhar, algo tem que ser repensado. Afinal, ambos deveriam ter um objectivo em comum - fazer o outro feliz.
Então, e o romantismo? E os jantares com dezenas de velinhas? E a telepatia? E o "saber, só com um olhar, que estamos perante a pessoa certa"? O "quando olhei para ele, senti não sei muito bem o quê, e sabia que tinha encontrado o homem da minha vida"?
Permitam-me um pequeno desvio, para poder chegar à conclusão...
O que é um filme? Ou um livro? São histórias. Histórias que têm como objectivo principal proporcionar uma experiência de escape. Para escapar a quê? À realidade, claro. E como é que conseguem atrair as pessoas? Simples, prometendo algo diferente da realidade, algo melhor.
Concentremo-nos nos romances (onde irei incluir as comédias românticas). Um dos ingredientes que vão encontrar em quase todos (sim, o "quase" é porque há excepções) é justamente essa coisa dos "fireworks at first sight", do "I was sure you were the one, the moment I saw you", e um conjunto de conceitos idênticos.
Agora, pergunto - porquê? Bem, uma conclusão possível é esta - é a forma de atrair o pessoal, dar-lhes algo melhor que a realidade. Dar-lhes algo que só muito raramente acontece na realidade. Para quem utilizar os romances como ponto de referência, dir-se-ia que a esmagadora maioria das relações começam com um momento "fireworks". Na realidade, tenho sérias dúvidas que assim seja, mas também tenho sérias dúvidas que o objectivo de quem produz um romance seja ter algo a ver com a realidade.
Aliás, por algum motivo se chama a "Holllywood" a "Fábrica de Sonhos". E é isso que são todas essas coisas que os romances nos vendem - no caso dos filmes, acompanhadas por uma banda sonora a condizer. Sonhos. É bom termos sonhos. Mas não é lá grande coisa deixarmos que o seu brilho nos ofusque, a ponto de perdermos de vista a realidade.
But that's just me. YMMV.
PS: Não, amiga. A nossa conversa hoje não motivou este texto, mas ajudou-me a perceber que estava na altura de o publicar, em vez de o continuar a tentar melhorar. Acho que tu és assim porque te concentras demasiado no teu sonho, mas tudo bem. Tens é que fazer um esforço por te aceitares como és. Um :*
Link para ver todo o post, Sim, claro que há mais para ler :)