Orgulhosamente só
Data original: 2005-09-13
Há uns tempos fiz um post acerca de formas de gerir conflitos numa relação. Disse na altura que o método que me metia mais confusão era o que se baseava na telepatia, i.e., na capacidade que cada um precisa de ter para adivinhar o que o outro está a sentir/pensar. Afinal, sendo uma relação entre duas pessoas algo tão simples e linear, compreende-se que seja necessário acrescentar propositadamente um pouco de dificuldade, para que a coisa não se torne demasiado aborrecida.
Dizia eu nesse post que não percebia muito bem o que levava as pessoas a fazer isto. Alguém me respondeu, apontando para um motivo que faz algum sentido - o orgulho. Este manifestar-se-ia em dois aspectos:
- Orgulho puro e simples. Não falamos porque sabemos que temos razão e a outra pessoa tem mais é que se tocar.
- Não dar parte de fraco. Não seremos nós os primeiros a ceder e a dizer que algo está errado, nem que a vaca tussa.
O primeiro aspecto é de entendimento fácil - chama-se arrogância.
O segundo deixou-me bastante confuso. Devo ter perdido algum episódio da novela... mas talvez vocês, gente mais informada do que eu, me possam explicar desde quando é que admitir que algo vai errado numa relação e querer analisar/resolver os problemas é "ceder" ou "dar parte de fraco"?
Imaginemos o seguinte cenário...
---
(O Anacleto está na sala a ver a bola. A Maria Engrácia está na cozinha a passar a ferro e a ver as novelas da TVI, antes que estas se transformem em propaganda da IURD)
Anacleto: Mary!
Maria: Sim, 'mor?
A: Trazes-me uma jola?
M: Estou a passar a ferro, querido.
A: Sim, eu sei, e eu estou a ver a bola. Se me levanto para ir buscar a jola posso perder uma jogada perigosa, ou até mesmo um golo.
(Ouve-se o barulho de vapor a alta pressão na cozinha. Contrariamente ao que pensa Anacleto, não é uma avaria na porcaria do ferro - ele bem a avisou para não comprar aqueles ferros todos pipis, e comprar um ferro à antiga, como o que a mãe dele sempre usou - mas sim a "Mary" que já está a ferver)
---
Bem, agora se a "Mary" se dirigir à sala e disser algo do género "Levanta a (pi) do (pi) da (pi) do sofá, e vai tu buscar a (pi) da cerveja, meu filho da (pi) de (pi), (pi), (pi), (pi), etc", será caso para suspeitarmos que ela poderá estar um tudo-nada na defensiva, no que respeita ao desenrolar da vida do casal; digo "na defensiva" porque, como todos sabemos, a melhor defesa é o ataque.
Será uma maneira de fazer passar a mensagem, mas talvez não seja a melhor, a não ser que o objectivo seja limpar as teias de aranha das cordas vocais do casal, e vingar-se dos vizinhos de baixo, que insistem em aspirar a casa todas as quartas-feiras, às 03:15 da manhã.
No entanto, se a "Mary":
- contar até 10, para deixar sair o vapor (poderá ter que incluir as centésimas na contagem, i.e., "1, 1.01, 1.02, 1.03, etc");
- chegar à sala;
- desligar a TV;
- sacar da perna de presunto que levava escondida atrás das costas e der com ela na cabeça do Anacleto, para pôr fim às suas reclamações incoerentes e indignadas de que estava a ver a bola;
- esperar que ele recupere os sentidos;
- e, por fim, conseguir ter uma conversa franca e aberta sobre o que está a correr mal na relação...
alguém terá que me explicar onde, no meio de tudo isto, está o "dar parte de fraco".
Eu defendo justamente o contrário. A pessoa que toma a iniciativa de dizer "precisamos de falar" é justamente aquela que, potencialmente, poderá demonstrar mais auto-confiança e maior segurança naquilo que sente e pensa; por oposição, aqueles que optam por evitar a discussão dos assuntos que os incomodam demonstram apenas uma coisa: receio de pegar no conjunto de valores pelos quais regem a sua vida e colocá-los in the spotlight. Talvez evitem a discussão não por uma questão de orgulho, ou para evitar uma hipotética "demonstração de fraqueza", mas porque não têm confiança suficiente nos seus argumentos e nas suas razões para os submeterem a um teste.
Cheira-me um bocado a cobardia... mas também é certo que muitas "demonstrações de força" (expressão utilizada por oposição à tal "demonstração de fraqueza") não passam disso - cobardia.
Há uns tempos fiz um post acerca de formas de gerir conflitos numa relação. Disse na altura que o método que me metia mais confusão era o que se baseava na telepatia, i.e., na capacidade que cada um precisa de ter para adivinhar o que o outro está a sentir/pensar. Afinal, sendo uma relação entre duas pessoas algo tão simples e linear, compreende-se que seja necessário acrescentar propositadamente um pouco de dificuldade, para que a coisa não se torne demasiado aborrecida.
Dizia eu nesse post que não percebia muito bem o que levava as pessoas a fazer isto. Alguém me respondeu, apontando para um motivo que faz algum sentido - o orgulho. Este manifestar-se-ia em dois aspectos:
- Orgulho puro e simples. Não falamos porque sabemos que temos razão e a outra pessoa tem mais é que se tocar.
- Não dar parte de fraco. Não seremos nós os primeiros a ceder e a dizer que algo está errado, nem que a vaca tussa.
O primeiro aspecto é de entendimento fácil - chama-se arrogância.
O segundo deixou-me bastante confuso. Devo ter perdido algum episódio da novela... mas talvez vocês, gente mais informada do que eu, me possam explicar desde quando é que admitir que algo vai errado numa relação e querer analisar/resolver os problemas é "ceder" ou "dar parte de fraco"?
Imaginemos o seguinte cenário...
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(O Anacleto está na sala a ver a bola. A Maria Engrácia está na cozinha a passar a ferro e a ver as novelas da TVI, antes que estas se transformem em propaganda da IURD)
Anacleto: Mary!
Maria: Sim, 'mor?
A: Trazes-me uma jola?
M: Estou a passar a ferro, querido.
A: Sim, eu sei, e eu estou a ver a bola. Se me levanto para ir buscar a jola posso perder uma jogada perigosa, ou até mesmo um golo.
(Ouve-se o barulho de vapor a alta pressão na cozinha. Contrariamente ao que pensa Anacleto, não é uma avaria na porcaria do ferro - ele bem a avisou para não comprar aqueles ferros todos pipis, e comprar um ferro à antiga, como o que a mãe dele sempre usou - mas sim a "Mary" que já está a ferver)
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Bem, agora se a "Mary" se dirigir à sala e disser algo do género "Levanta a (pi) do (pi) da (pi) do sofá, e vai tu buscar a (pi) da cerveja, meu filho da (pi) de (pi), (pi), (pi), (pi), etc", será caso para suspeitarmos que ela poderá estar um tudo-nada na defensiva, no que respeita ao desenrolar da vida do casal; digo "na defensiva" porque, como todos sabemos, a melhor defesa é o ataque.
Será uma maneira de fazer passar a mensagem, mas talvez não seja a melhor, a não ser que o objectivo seja limpar as teias de aranha das cordas vocais do casal, e vingar-se dos vizinhos de baixo, que insistem em aspirar a casa todas as quartas-feiras, às 03:15 da manhã.
No entanto, se a "Mary":
- contar até 10, para deixar sair o vapor (poderá ter que incluir as centésimas na contagem, i.e., "1, 1.01, 1.02, 1.03, etc");
- chegar à sala;
- desligar a TV;
- sacar da perna de presunto que levava escondida atrás das costas e der com ela na cabeça do Anacleto, para pôr fim às suas reclamações incoerentes e indignadas de que estava a ver a bola;
- esperar que ele recupere os sentidos;
- e, por fim, conseguir ter uma conversa franca e aberta sobre o que está a correr mal na relação...
alguém terá que me explicar onde, no meio de tudo isto, está o "dar parte de fraco".
Eu defendo justamente o contrário. A pessoa que toma a iniciativa de dizer "precisamos de falar" é justamente aquela que, potencialmente, poderá demonstrar mais auto-confiança e maior segurança naquilo que sente e pensa; por oposição, aqueles que optam por evitar a discussão dos assuntos que os incomodam demonstram apenas uma coisa: receio de pegar no conjunto de valores pelos quais regem a sua vida e colocá-los in the spotlight. Talvez evitem a discussão não por uma questão de orgulho, ou para evitar uma hipotética "demonstração de fraqueza", mas porque não têm confiança suficiente nos seus argumentos e nas suas razões para os submeterem a um teste.
Cheira-me um bocado a cobardia... mas também é certo que muitas "demonstrações de força" (expressão utilizada por oposição à tal "demonstração de fraqueza") não passam disso - cobardia.
10 Comments:
parece-me que, se permites uma vez, permites 2ª vez e uma 3ª... a pessoa habitua-se. Esse tipo de coisas devem ficar logo "esclarecidas". Claro que isso não significa que não as faças uma vez por outra :D
Llyrnion: acho que, tal como a maioria dos homens, perdes demasiado tempo a descrever situações que de tão banais e ultrapassadas que são, tornam-se mesmo isso... vulgares.
Ou seja: hoje em dia qual é o homem que está a ver bola, a mulher a passar a ferro, ele a beber cerveja... o Mundo evoluíu, certo?... cá para os lados do Algarve funciona assim:
os casais dividem tarefas, todos bebem cerveja, e não perdem tempo nesse tipo de discussão :P
Eh... whatever... eu tb não encaixo nesse grupo, no dos que não dizem nada porque blá blá blá... digo o que tenho a dizer e pronto.
Beijos
Se estivesse acordada adoraria estar aqui a debitar tudo o que aprendi num curso sobre gestão de conflitos, mas sinceramente, não quero nem saber... Os conflitos existem, ponto. Somos todos diferentes, ponto. Que tal um bocadinho de inteligência e bom senso para resolver estes "procócós, interrogação. Beijos.
É isso, Sea, somos animais de hábitos :)
Hallo, a.
O problema com estas situações n é serem vulgares... é serem comuns. Eu tb pensava q isto era coisa do passado, até q comecei a ouvir as histórias q me contavam.
Inclusivé, há ainda quem eduque os seus filhos de forma diferente - p.ex., o rapaz n tem q fazer a sua cama, pq quem trata disso é a sua irmã... pq é mulher.
Hopefully, com o tempo, estes casos serão cada vez menos.
:*
"Que tal um bocadinho de inteligência e bom senso para resolver estes "procócós, interrogação"
Sim, Marta, plenamente de acordo. O problema é q qd o conflito estala, nem sempre estamos ao nosso melhor, no q respeita a inteligência e bom senso.
Aliás, mts vezes, mesmo sem conflitos, o nosso track-record na utilização destas características já n é mt famoso :)
:* e Sweet dreams (mais vale tarde q nunca :) )
Eu também conheço casos que muitas pessoas julgam fazer parte de um passado longínquo.
Sim, esses casos supostamente longínquos, como escreveu a Patrícia, infelizmente persistem. Vivemos numa sociedade com raízes machistas, e por isso ainda um pouco machista (é a minha opinião, claro)
O pior, Selene, é que esse machismo, não raras vezes, brota de mães que educam os seus filhos!!! Elas regem-se pelos tais ideais pré-históricos!!
É mesmo assim, o machismo está entranhado em algumas mulheres! Mas acredito que progressivamente isso vá mudando (e nos homens também), apesar das mudanças de mentalidades não serem nunca rápidas, principalmente das sociedades...
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