domingo, julho 02, 2006

O silêncio e o ouro - Parte II

No seguimento do post de quarta-feira, vamos então ao terceiro método de gestão de conflitos que conheço.

3. O Sábio telepático
Este método pode tornar-se muito idêntico ao anterior no que respeita às consequências, mas a motivação é completamente diferente.

No método anterior, não se discutiam os problemas na esperança que estes se resolvessem por si mesmos. Neste método, não se discutem os problemas porque a pessoa que os está a causar tem a obrigação de saber que está a agir mal. Ou, se não o sabe, tem a obrigação de o descobrir por si própria, com uma ou outra pista que deverão primar pela subtileza - um olhar, um gesto, um tom de voz... mas é de evitar toda e qualquer indicação explícita.

Analisemos mais uma vez um exemplo (como verão, é, de facto, muito parecido com o anterior):

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(A porta fecha-se. Ele entra em casa já de cuecas, pois vem a despir-se desde que entrou no elevador do prédio. Tem a roupa amontoada nos braços, e larga-a imediatamente no chão do hall, dirigindo-se à cozinha)

Ele: Oi, querida. Cheguei. Está um caloraço que não aguento!

(Ele despe as cuecas e atira-as por cima do ombro, o que as leva a efectuar uma aterragem de emergência no pato de louça que está em cima do frigorífico)

Ela (olhando para o monte de roupa no chão e para as cuecas em cima do frigorífico, em cima do pato que a sua mãe lhe deu de presente, sem conseguir acreditar no que vê): Pois é.

(Ela lança-lhe um olhar de reprovação gélida, que é uma dica bastante útil, principalmente se tivermos em conta que ele já está abraçado a ela, e tem o rosto enterrado no seu pescoço)
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E o facto é que, tal como no método anterior, enquanto os problemas não forem discutidos, não haverá a percepção de que está a ser cometido um acto que incomoda a outra pessoa. E se é verdade que cuecas sujas em cima do frigorífico é algo que pode ser considerado como universalmente incomodativo (principalmente para o pato de louça), outras coisas são mais, por assim dizer, subtis... p.ex., "não gosto nada que assobiem a 'Quinta Sinfonia' de Beethoven quando estou na cozinha a fazer bacalhau à Brás com batatas fritas de pacote".

Portanto, este método exige não apenas que o casal partilhe um conjunto de valores perfeitamente igual, para que seja coincidente naquilo que ambos consideram próprio e impróprio, mas também que ambos possuam uma boa dose de telepatia, para conseguirem detectar todas aquelas coisas que não são exactamente impróprias, mas que a outra pessoa, em determinadas condições muito específicas, não gosta.

Agora, cada um de vocês imagine o seguinte (aqueles que já encontraram a sua "pessoa certa" podem seguir o raciocínio, mas estão dispensados do exercício): Conheces alguém que se assemelha bastante à tua "pessoa certa", apesar de ser necessário limar algumas arestas. Como consideras que essa pessoa deveria ser capaz de detectar por si própria as arestas e limá-las sozinha, decides que o teu papel se resume a dar-lhe umas pistas subtis nesse sentido. Passado algum tempo, a coisa não funciona e vai cada um para seu lado.

Anos mais tarde, encontras novamente essa pessoa, e verificas, com surpresa, que está "no ponto". As tais arestas que te incomodavam desapareceram. E, após uma conversa, apercebes-te que houve alguém que não esteve à espera que a telepatia funcionasse, que se abriu com essa pessoa, e que fez um esforço no sentido de ambos limarem as arestas. Bem, vocês conversam amavelmente, despedem-se, e depois tu vais à procura de um local suficientemente discreto para dares fortes cabeçadas na parede, o que te exige algum cuidado com as tuas orelhas, que acabaram de ficar um pouco longas.

Imagina agora isto: Vais ter um colega novo, e recebes instruções para lhe passares algumas das tuas tarefas. O objectivo é que ele te alivie do trabalho mais operacional, para que possas dedicar o teu tempo a tarefas mais estratégicas. Manda o bom senso que faças a passagem de pasta com informação o mais detalhada possível, que indiques tudo da forma extremamente explícita e inequívoca, de forma a que o teu novo colega não tenha a menor dúvida sobre o que lhe estás a dizer, o que permitirá que o processo corra pelo melhor.

Portanto, temos que:
- Numa relação profissional, é esperado um grau máximo de clareza. Não há lugar para a ambiguidade. A troca de informação deve ser explícita, e todas as dúvidas devem ser esclarecidas.
- Numa relação pessoal - que é algo infinitamente mais importante e onde há muito mais em jogo - é aceitável não dizer à outra pessoa o que pensamos e sentimos, é aceitável obrigar a outra pessoa a adivinhar as nossas motivações e intenções, é aceitável basear aspectos da relação na subtileza, na ambiguidade, naquilo que não se diz.

Se alguém me quiser explicar porque é que isto faz sentido, sou todo ouvidos...

É que parece ser não só aceitável, mas também expectável, assumir um comportamento que coloque a relação em risco sem qualquer razão aparente; só porque "a outra pessoa tem a obrigação de saber"... algo; de estar com atenção às nossas subtilezas. E nós, ao que parece, não temos a obrigação de fazer a nossa parte do trabalho em manter a relação, chamando à atenção para esse "algo" da forma mais explícita que nos for possível. Não, isso não tem piada! Vamos antes mostrar que sabemos ser subtis, porque afinal a subtileza é uma virtude, e não podemos desperdiçar nenhuma ocasião de demonstrar até que ponto somos virtuosos.

3.1. Vantagens:
- A telepatia é algo que dá sempre jeito, p.ex., em entrevistas de emprego, para pessoal que tenha actividades comerciais, ou de fiscalização, etc.

2.2. Desvantagens
- A probabilidade de encontrarmos a nossa "pessoa certa" é infíma. Se, para além de todas as inúmeras características que procuramos (e não estou a sugerir que abdiquemos delas), ainda vamos exigir que tenha capacidades telepáticas, estamos a reduzir dramaticamente essa probabilidade. Se, ainda por cima, não estamos dispostos a trabalhar uma relação com uma pessoa que até está muito próxima daquilo que procuramos, e poderá estar receptiva a mudar para se adaptar a nós, bem... assim se passa uma vida... ou duas.

7 Comments:

Blogger A said...

Sabes uma coisa? Acho que ainda iremos ter uma conversa mmuuuuuuiiiitíssimo longa acerca disto...

Porque é assim: eu sou a pessoa que mais vai de encontro a tudo o que um homem pretende, ou seja, faço-lhe a papa toda. Despejo tudo na hora e explico-lhe os porquês e os comos.

Sabes a conclusão: sou DEMASIADO inteligente, sou DEMASIADO frontal e os homens gostam de mistério (já pra não falar que de vez em qdo também devam gostar dum bom par de cornos a complementar os silêncios)...

É do que me acusam. Olha, não ligues que eu hoje não estou boa...
Mas a maioria dos homens não gosta mesmo que se lhes diga nada.

Beijos

17:51  
Blogger Llyrnion said...

I feel your pain... a sério.

A do "demasiado inteligente" nunca apanhei, mas a do "a mulher quer-se misteriosa"... Jejúje! As vezes q eu ouvi essa, e dita por gajas! É engraçado, já não a ouço há algum tempo, felizmente.

Anyway,... se eu quiser mistério, vou ler "As Aventuras de Sherlock Holmes".

O "demasiado frontal", já posso compreender melhor. Pode n depender tt do q se diz, mas sim de como se diz. De qq forma, num caso destes escolheria antes "demasiado agressiva", talvez... nota q n estou a dizer q és demasiado agressiva, estou a apenas a divagar :)

Quanto à tal conversa, estás à vontade. É qd quiseres.

Qt aos enfeites na testa, n obrigado. Já cá tenho os meus, desde há longos anos, e nunca senti necessidade de os renovar. Se alguém mos renovou? Acredito q não. Se ponho as mãos no fogo? Num dos casos, sim.

Aqui a minoria deseja-te as melhoras :)

:*

19:38  
Blogger Sea said...

devem gostar devem...
Quanto mais bem tratados, mais "patadas" uma gaja leva

11:46  
Blogger Llyrnion said...

Talvez

Só te posso dizer q a tua experiência é diferente da minha.

00:47  
Blogger Patrícia said...

Eu gosto de acreditar que os homens NÃO SÃO TODOS IGUAIS e que há quem aprecie uma mulher sincera e despida de artifícios. Não posso acreditar que gostem todos das mulheres que os espezinham.

16:33  
Blogger Patrícia said...

Mas o post é divertidíssimo! Adoro as situações que descreves! ;D

16:35  
Blogger Llyrnion said...

Bigado, amiga :)

Garanto-te q nem todos gostam das mulheres q os espezinham, e nem todos espezinham as mulheres q gostam deles.

Apesar de, infelizmente, haverem casos em q isso realmente acontece :(

18:44  

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