O Velho do Restelo, esse incompreendido
Data Original:. 2005-08-03
Tenho uma confissão a fazer: Sou um néscio - vá, corram lá para o dicionário, seus ignorantes, eu espero :)
(momento de pausa)
Always look on the bright side of life... assobio... assobio... assobio... assobio...
Always look on the br... ah, já voltaram? OK, vamos prosseguir.
Um dos aspectos da minha "nesciosidade" tem a ver com o assunto de hoje - o Velho do Restelo.
Antes de mais, uma palavra de agradecimento ao Miguel Duarte, pela pesquisa feita para o tema de hoje, e pela sugestão para o título.
Bem, sempre me falaram do Velho do Restelo como um símbolo da resistência ao Progresso, aquele personagem que se agarra aos velhos costumes, teimando em não acompanhar o seu tempo. Pois... não sei quem foi o primeiro idiota a espalhar esta imagem, mas deve ter lido os Lusíadas com tanta atenção como eu :)
Vejamos, então, algumas das expressões utilizadas por Camões para descrever este velhote "retrógado":
- É um velho "de aspecto venerando". Nada a comentar.
- É um velho com "um saber de experiência feito". Bom, aqui já começamos a ter algumas dúvidas... afinal, todos passamos a vida a acumular experiência, e damos-lhe um certo valor. Se o saber deste ancião vem da experiência, talvez a sua opinião, afinal, seja válida.
- É um velho "digno de ser ouvido". Bem, OK... em que é que ficamos? Se é apenas um velho que insiste em ficar agarrado ao passado, deveria ser "irrelevante", e não "digno de ser ouvido".
Após ler isto, comecei rapidamente a mudar a minha opinião sobre este indivíduo idoso, e a concordar com quem diz que "o Velho do Restelo representa a voz da razão num momento de euforia e deslumbramento, a voz da experiência perante a irreverência". Ou seja, afinal é a única pessoa que insiste em usar a cabeça no meio de um grupo de deslumbrados, que se defendem afirmando que - talvez pela idade avançada - lhe falta capacidade de visão. É pena que ande para aí muita gente que não saiba distinguir "visão" de "miragem" :)
Comecei a imaginá-lo, ao nosso respeitável idoso, hoje em dia, numa qualquer sala de reuniões, por esse mundo fora... portanto, com um enorme pedido de desculpas ao nosso bom e velho Luís Vaz, aqui vai:
Mas um velho, de aspecto venerando,
na mesa de reunião, entre a gente,
postos em nós os olhos, meneando
três vezes a cabeça, descontente,
a voz pesada um pouco alevantando,
que nós, gestores, ouvimos claramente,
Cum saber só de experiências feito,
tais palavras tirou do experto peito:
Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Mostrar que a nós ninguém nos trama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
lixar o próximo, deitá-lo p'rá lama!
E é tanto tempo perdido, chiça!
Nem dá vontade de sair da cama!
Que trocas de e-mails, quais tormentas,
Com tantas obstruções que te lamentas
Dura inquietação da alma e da vida
São assim os projectos mais sérios
consomem com uma fome desmedida
Os recursos de grandes impérios!
Acenam com a miragem da subida
dos proveitos, mas oh, sonhos etéreos;
Ao final de cada semana,
O ponto de situação não engana!
A que novos desastres determinas
de levar esta Empresa e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
com uma tecnologia preminente?
Que promessas de lucros e de minas
d' ouro em mercados emergentes?
Com tantos consultores cheios de histórias
da carochinha, plenas de vitórias
Não te presta serviço a empresa perita
com quem sempre terás guerras sobejas?
Nunca cumpre os prazos, a maldita,
E diz que a culpa é tua, se a deixas
Tarefas com duração infinita,
E sem um resultado que se veja
E é um milagre celebrado
Dar-se o projecto por terminado
Abres as portas ao inimigo,
com quem até esperas chegar longe,
Devias conhecer o conto antigo,
O hábito nunca fez o monge;
aceitas o incerto e incógnito perigo
não te apetece chateares-te hoje
Subscreves a visão utópica
que sabes ser totalmente miópica
Oh, maldito o primeiro que, no mundo,
se lembrou de disparate tamanho
Projecto p'ra renovação de fundo
Coisa mais parva que isso não tenho!
Nunca a juízo algum, alto e profundo,
lhe ocorreu jamais algo tão estranho
Talvez por isso não haja memória,
De projecto tal que tenha acabado em glória!
Haveria muito mais para dizer, mas já sinto o fantasma do Luís Vaz a rogar-me pragas, e não quero por em perigo a onda de optimismo e felicidade que me tem acompanhado nestes últimos tempos. Fico-me por aqui :)
Para quem se quiser documentar mais sobre o assunto, Google is your friend. Para vos dar um empurrãozito, aqui vão os dois links que utilizei:
http://www.citi.pt/cultura/historia/personalidades/d_sebastiao/velho.html e http://www.tabacaria.org/lusiadas/restelo.htm.
Ah, antes que me esqueça - quando tiverem oportunidade, provem um vinho alentejano chamado "Eugénio de Almeida". A colheita de 2003 é particularmente impressionante. 14º e nem se dá por ele a escorregar pela garganta. Notável!
Tenho uma confissão a fazer: Sou um néscio - vá, corram lá para o dicionário, seus ignorantes, eu espero :)
(momento de pausa)
Always look on the bright side of life... assobio... assobio... assobio... assobio...
Always look on the br... ah, já voltaram? OK, vamos prosseguir.
Um dos aspectos da minha "nesciosidade" tem a ver com o assunto de hoje - o Velho do Restelo.
Antes de mais, uma palavra de agradecimento ao Miguel Duarte, pela pesquisa feita para o tema de hoje, e pela sugestão para o título.
Bem, sempre me falaram do Velho do Restelo como um símbolo da resistência ao Progresso, aquele personagem que se agarra aos velhos costumes, teimando em não acompanhar o seu tempo. Pois... não sei quem foi o primeiro idiota a espalhar esta imagem, mas deve ter lido os Lusíadas com tanta atenção como eu :)
Vejamos, então, algumas das expressões utilizadas por Camões para descrever este velhote "retrógado":
- É um velho "de aspecto venerando". Nada a comentar.
- É um velho com "um saber de experiência feito". Bom, aqui já começamos a ter algumas dúvidas... afinal, todos passamos a vida a acumular experiência, e damos-lhe um certo valor. Se o saber deste ancião vem da experiência, talvez a sua opinião, afinal, seja válida.
- É um velho "digno de ser ouvido". Bem, OK... em que é que ficamos? Se é apenas um velho que insiste em ficar agarrado ao passado, deveria ser "irrelevante", e não "digno de ser ouvido".
Após ler isto, comecei rapidamente a mudar a minha opinião sobre este indivíduo idoso, e a concordar com quem diz que "o Velho do Restelo representa a voz da razão num momento de euforia e deslumbramento, a voz da experiência perante a irreverência". Ou seja, afinal é a única pessoa que insiste em usar a cabeça no meio de um grupo de deslumbrados, que se defendem afirmando que - talvez pela idade avançada - lhe falta capacidade de visão. É pena que ande para aí muita gente que não saiba distinguir "visão" de "miragem" :)
Comecei a imaginá-lo, ao nosso respeitável idoso, hoje em dia, numa qualquer sala de reuniões, por esse mundo fora... portanto, com um enorme pedido de desculpas ao nosso bom e velho Luís Vaz, aqui vai:
Mas um velho, de aspecto venerando,
na mesa de reunião, entre a gente,
postos em nós os olhos, meneando
três vezes a cabeça, descontente,
a voz pesada um pouco alevantando,
que nós, gestores, ouvimos claramente,
Cum saber só de experiências feito,
tais palavras tirou do experto peito:
Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Mostrar que a nós ninguém nos trama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
lixar o próximo, deitá-lo p'rá lama!
E é tanto tempo perdido, chiça!
Nem dá vontade de sair da cama!
Que trocas de e-mails, quais tormentas,
Com tantas obstruções que te lamentas
Dura inquietação da alma e da vida
São assim os projectos mais sérios
consomem com uma fome desmedida
Os recursos de grandes impérios!
Acenam com a miragem da subida
dos proveitos, mas oh, sonhos etéreos;
Ao final de cada semana,
O ponto de situação não engana!
A que novos desastres determinas
de levar esta Empresa e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
com uma tecnologia preminente?
Que promessas de lucros e de minas
d' ouro em mercados emergentes?
Com tantos consultores cheios de histórias
da carochinha, plenas de vitórias
Não te presta serviço a empresa perita
com quem sempre terás guerras sobejas?
Nunca cumpre os prazos, a maldita,
E diz que a culpa é tua, se a deixas
Tarefas com duração infinita,
E sem um resultado que se veja
E é um milagre celebrado
Dar-se o projecto por terminado
Abres as portas ao inimigo,
com quem até esperas chegar longe,
Devias conhecer o conto antigo,
O hábito nunca fez o monge;
aceitas o incerto e incógnito perigo
não te apetece chateares-te hoje
Subscreves a visão utópica
que sabes ser totalmente miópica
Oh, maldito o primeiro que, no mundo,
se lembrou de disparate tamanho
Projecto p'ra renovação de fundo
Coisa mais parva que isso não tenho!
Nunca a juízo algum, alto e profundo,
lhe ocorreu jamais algo tão estranho
Talvez por isso não haja memória,
De projecto tal que tenha acabado em glória!
Haveria muito mais para dizer, mas já sinto o fantasma do Luís Vaz a rogar-me pragas, e não quero por em perigo a onda de optimismo e felicidade que me tem acompanhado nestes últimos tempos. Fico-me por aqui :)
Para quem se quiser documentar mais sobre o assunto, Google is your friend. Para vos dar um empurrãozito, aqui vão os dois links que utilizei:
http://www.citi.pt/cultura/historia/personalidades/d_sebastiao/velho.html e http://www.tabacaria.org/lusiadas/restelo.htm.
Ah, antes que me esqueça - quando tiverem oportunidade, provem um vinho alentejano chamado "Eugénio de Almeida". A colheita de 2003 é particularmente impressionante. 14º e nem se dá por ele a escorregar pela garganta. Notável!
3 Comments:
:-)
... fiquei com uma dúvida ...
fizeste o post do velho do restelo ao sabor do vinho eugénio de almeida ... brincadeiras minhas, em verdade vim atrás da frase da patricia e encontrei o restelo !
Sim de facto ha muita gente que le mas nao entende!
Creio que o amigo Luiz Vaz ate estara contente, por haver alguem que tao bem descreva este tempo, visto com a lucidez de um "Velho do Restelo"!
Um abraco d'algodrense.
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